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Sentenza

A MULHER MILITAR E SUA INTEGRAÇÃO NAS FORÇAS ARMADAS (La donna militare e la sua...
A MULHER MILITAR E SUA INTEGRAÇÃO NAS FORÇAS ARMADAS (La donna militare e la sua integrazione nelle forze armate brasiliane)
AMULHER MILITAR E SUA INTEGRAÇÃONAS FORÇAS ARMADAS
A  evolução  histórica  sobre  a  participação  das  mulheres  nas  Forças Armadas sofreu, no início da década de 70 do século XX, uma profunda trans-formação. Antecedida pela participação feminina na economia formal durante a Primeira e a Segunda Guerra Mundial4, pela adoção de um novo modelo de participação  social  e de  políticas  públicas, pela inserção feminina no mercado de trabalho e pela pressão democrática em favor de valores igualitários e equi-dade de gênero, restaram alterados os arquétipos militares. Efetivamente, no âmbito dos Tratados e Acordos Internacionais inexistiam, desde  então,  dúvidas  sobre  a  possibilidade  do  ingresso  feminino  em  todas  as funções  militares,  inclusive  a  de  combate,  tal  como  previsto  na  Carta  das  Na-ções Unidas de 1945, que proclama enfaticamente a igualação entre homens e mulheres;  a  Declaração  Universal  dos  Direitos  do  Homem  e  do  Cidadão  de 1948 – art. 21, parágrafo 2º,5– e a Convenção sobre os Direitos Políticos das Mulheres das Nações Unidas, datada de 1953, que, em observância à Declara-ção de 1948, dispõe enfaticamente no art. 3º que "as mulheres terão direito de assumir  cargos  públicos  e  de  exercer  as  funções  públicas  em  condições  de igualdade com os homens, sem discriminação alguma". Para  corroborá-las,  os  Protocolos  Adicionais  de  junho  de  1977  às  Con-venções de Genebra (1949) estatuem, nos artigos 43 e 44 do primeiro Protocolo, terem as mulheres acesso ao estatuto de combatente, podendo portar armas6. Porém, para dar eficácia à normatividade externa, mister que as legisla-ções  nacionais  a concretize.  A  questão  dialoga,  portanto,  com  as  políticas  pú-blicas  de  gênero  adotadas  pelos  Estados  e  não  com  critérios  de  expertise  ou competência  bélica,  porquanto  são  as  positividades  domésticas  que  entrinchei-ram a mulher militar em postos secundários ou não; experiência que diferenciou 4 Uma descrição minuciosa sobre a mulher em combate no  Primeiro e Segundo Conflitos Mun-diais  está  em  CAIRE, Raymond. A  Mulher  Militar.  Das  origens aos  nossos  dias.  Rio  de  Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 2002, pp. 55-151.5Verbis: "Todas as pessoas têm direito de acesso às condições de igualdade nas funções públicas de seu país". 6 Consequentemente, em caso de captura com armas na mão, serão consideradas prisioneiras de guerra. 
AMULHER MILITAR E SUA INTEGRAÇÃONAS FORÇAS ARMADAS25a Rússia7 dos Estados Unidos na II Grande Guerra, ou o Vietnã, que contou em sua luta com a participação feminina na missão do infante, desempenhada com maestria.A  abertura  das  Forças  Armadas  às  mulheres  deveu-se  a  uma  conjunção de acontecimentos: a crise de recrutamento vivenciada pelos principais Exércitos do  mundo;  a  supressão  da  conscrição  obrigatória;  a  remuneração  dos  soldos sempre  abaixo  dos  salários  oferecidos  pela  iniciativa  privada  e  pelos  demais  ór-gãos  públicos  de  natureza  civil,  condicionantes  que  levaram  a  adoção  do open door que, longe de ter sido desinteressado, nasceu da necessidade do aparelha-mento de recursos humanos para salvaguardar a soberania dos Estados8. Agreguem-se  as  inovações  tecnológicas;  a  inversão  da ratio  entre  fun-ções de apoio e de combate; a fragmentação e a especialização ocupacional; o fim  dos  exércitos  de  massa;  o  alistamento  voluntário;  a  profissionalização;  a redução dos contingentes e a mutação das relações de forças no plano interna-cional a demandarem pessoas qualificadas para a defesa nacional. Fato é que, desde a Revolução Francesa e as demais Revoluções nacio-nais  do  século  XIX,  o  serviço  militar  funcionou  como  um  relevante  fator  de inclusão na comunidade política, emergindo como marca de cidadania, e esta, como marca da democracia9. Impedidas de participar da construção da estatalidade, às mulheres fo-ram negados a conscrição e o sufrágio; "uma exclusão reveladora da forma assimétrica de como os homens adiantaram-se, historicamente, na obtenção do statusde cidadão", à semelhança do ocorrido com os afroamericanos durante os conflitos mundiais nos Estados Unidos10. Aliás, este exemplo é frequentemente invocado em paralelo à exclusão da  mulher,  por  retratar  o  embate  dos  negros  nas  Forças  Armadas  Norte-Americanas, segregados racialmente em unidades de combate comandada por brancos, ou mesmo impedidos de lutar11. 7 No tocante à participação bélica das mulheres russas, pontua Raymond Caire que "a sabedoria de Lenin revelou-se no entendimento de que o êxito da Revolução passava pela emancipação das mulheres. Dessa maneira, ele evitou o obstáculo criado na Revolução Francesa, onde o antife-minismo marcante desviou as mulheres das idéias novas. [...]". Op. cit. p. 55. 8Mais, "a integração feminina aconteceu, em geral, em contextos de carência de efectivos, presente ou antecipada, pela necessidade de alargar a base social de recrutamento e 'libertar' os homens para a primeira linha. As mulheres constituíram uma reserva de força laboral que as Forças Armadas tive-ram de mobilizar no sentido de enfrentar carências de pessoal qualificado no mercado de trabalho. Este foi especificamente o caso dos Estados Unidos, onde o fim da conscrição e a constituição de uma força exclusivamente voluntária suscitou preocupações relativamente à capacidade de atingir os objetivos de recrutamento. [...]. Abrir as fileiras às mulheres representou, pois, um aumento dos recursos  disponíveis,  mas  também  a  possibilidade  de  recrutar  pessoal  qualificado  com  menores custos. [...]". CARREIRAS, Helena.  Mulheres em Armas. A participação militar feminina na Europa do Sul. Lisboa: Edições Cosmos. Instituto da Defesa Nacional, 2002, p. 40. 9 CARREIRAS, Helena. Op. cit, p. 25.10Id., p. 26.11Id., p. 27.
26MARIA ELIZABETH GUIMARÃES TEIXEIRA ROCHAHodiernamente,  a  despeito  da  crescente  equalização  estatutária  entre militares dos dois sexos, acentuada pela intervenção externa de tribunais civis, nacionais ou supranacionais que impõem a não discriminação, certo é que, em quase  todos  os  países  nos  quais  as  mulheres  participam  militarmente,  é-lhes vedado  o  acesso  a  um  conjunto  de  posições  e  especialidades.  Tais  restrições retratam  as  enormes  desigualdades  que  confinam  a  presença  feminina  na  ca-serna  a  uma  condição  simbólica  em  termos  de  poder  e  identidade,  excluídas que são dos núcleos centrais que constituem a essência do espírito militar. Nem sempre apreciadas e muitas vezes objeto de resistência explícita, a dinâmica sociológica que confronta as mulheres são "as políticas oficiais versuspráticas  informais;  os discursos  dominantes e identidades  hegemônicas versus; discursos marginais e identidades dependentes"12. Confronta-as, outrossim, a ausência do olhar institucional acerca da diver-sidade que impõe o dualismo das polaridades nas relações de gênero. A sequela explicita e  potencializa  as  clivagens de  poder,  oportunidades  e  escolhas  possí-veis em desfavor do sexo feminino. A instituição castrense, durante séculos, e ainda hoje, representa um refe-rencial de masculinidade. "Nesse sentido, a cultura militar não só se estrutura em modelos cognitivos de gênero, como confere e define identidades sexuais"13. "Tradicionalmente,  o  serviço  militar,  sobretudo  na  modalidade  da conscrição  obrigatória,  funcionou  e  funciona  como  um  rito  de  passagem  para idade adulta dos homens e, também, como uma marca de diferenciação entre o masculino e o feminino. [...] A equação do homem-guerreiro é operacionali-zada por meio de parâmetros físicos onde o ideal de virilidade assume enorme relevância."14  O  fato  de  a  guerra  ter  contado  quase  que  exclusivamente  com homens é a evidência empírica dessa ligação. O mundo do soldado é caracteri-zado  por  estereótipos  de  masculinidade,  projetados  como  medida  de  compe-tência,  armadura  de  luta  e  protótipo  de  heroísmo.15  Decorrentemente,  a  difi-culdade  de  conciliação  entre  as  pertenças  definidoras  dos  papéis  adequados entre  seres  humanos  comprometem  a integração  feminina em  todas  as  Forças Singulares. Argumentos  desqualificadores  que  articulam  com  aspectos  anatômicos e  psicológicos,  dentre  outros,  têm  sido  comumente  utilizados  para  acentuar falsas incapacidades, tais como: pouca força física, gravidez, emoção exacer-bada, et caterva16.12Id., p. 14.13Id., p. 35.14 Id., pp. 34-35.  15Id., p. 35. 16"Quatro  tipos  de  argumentos  têm  sido  utilizados  e  confrontados  em  cada  um  dos  polos  do debate 'direitos versus prontidão'. Um primeiro conjunto de argumentos relaciona-se com as características individuais das mulheres, os seus corpos e traços psicológicos, os quais supos-tamente  as  tornariam  piores  combatentes  (força  física,  menstruação,  gravidez,  emocionali-
AMULHER MILITAR E SUA INTEGRAÇÃONAS FORÇAS ARMADAS27Nesse  ponto,  a  coesão, comumente  utilizada  para  reforçar  a  dinâmica da marginalização  e  a exclusão feminina a  determinados  postos  e  funções  nas Forças Armadas, em especial, a de combatente, merece especial enfoque. Inicialmente,  cumpre  definir  seu  conceito,  para, a  posteriori,  trazer  à balha as significativas alterações descritas ou medidas ao longo do tempo pelos cientistas sociais e comportamentais, bem como pelos investigadores militares.  Define-a John H. Jones como: "a argamassa que une os membros de uma  unidade  ou  organização  de  modo a manter as  suas  vontades,  o compro-metimento de uns com os outros, a unidade e a missão"17. Consigne-se  não  deixar  clara  a  doutrina  científica  ser  a  coesão  uma construção unitária. Sua dimensão abarca a coesão social e a coesão da missão. A coesão social refere-se à natureza e à qualidade dos vínculos afetivos de  amizade,  simpatia  e  proximidade  entre  os  membros  do  grupo.  O  grupo apresenta  alta  coesão  social  na  medida  em  que  seus  componentes  preferem usufruir o tempo social em conjunto, desfrutando a companhia um do outro18. A  coesão da missão centra-se  no compromisso compartilhado entre  os colegas  de  farda  cujo  desiderato  é  alcançar  o  objetivo  que  requer  o  esforço coletivo. A coesão da missão mostra-se elevada quando os integrantes que par-tilham  a  mesma  meta  encontram-se  motivados  para,  coordenando  esforços conjuntos, atingi-la19. Recentes  avaliações  sobre  a  relação  coesão-desempenho  escrutinam  a existência  de  uma  fraca  relação  positiva  entre  ambos,  destacando  os  elevados níveis de coordenação, a comunicação e o monitoramento como fatores deci-sivos para a melhor atuação em conjunto. Tais análises revelam, por oportuno, que é a coesão de missão a relacionada ao sucesso, e não a social. Estudos realizados por Edward Shils e Morris Janowitz20,  em 1948, logo após  a  Segunda  Guerra  Mundial,  analisaram  o  comportamento  do  soldado dade, capacidade de operar sob stress, etc.). Em segundo lugar, surgem questões relacionadas com  o  efeito  da  presença  feminina  sobre  a  coesão  e  moral  das  unidades  militares  (efeito  de processos  de  interacção  sobre  desempenhos,  impacto  sobre  a  solidariedade  masculina);  em terceito lugar, destacam-se argumentos concernentes à relação custo-eficácia (atrição, perca de tempo de serviço, custos de seleção de pessoal); e finalmente, são ainda frequentemente ventiladas as consequências da participação militar feminina em termos d e valores sociais e culturais  (preservação  de  ideias  de  género,  opinião  pública,  percepção  das  forças  militares por parte de aliados e potenciais adversários." CARREIRAS, Helena. Mulheres  em  Armas, Op. cit, p. 58. 17  JOHNS,  John  H.  et  al. Cohesion  in  the  U.S  Military:  Defense  Management  Study  Group  on Military Cohesion.Washington: National Defense University Press. 1984. p. 4. 18  BARNES  II,  John  L. Don ́t Ask, Don't Tell: a costly and wasteful choice. Tese  de  Mestrado. Monterey: California. Naval Posgraduate School. 2004. p. 14.19Id., p. 14.20Id., p. 16.
28MARIA ELIZABETH GUIMARÃES TEIXEIRA ROCHAalemão no conflito, concluindo que a solidariedade com os camaradas, e não a crença  na  causa,  foi  a  motivação  para  a  continuidade  da  luta,  a  despeito  do indicativo  da  derrota.  Samuel  Stouffer  chegou  a  idêntica  conclusão  avaliando os  soldados  americanos.  Ocorre  que,  posteriormente  reavaliados  pela  Ciência Social,  ditas  análises  revelaram  premissas  inexatas.  No  caso  dos  soldados  ale-mães, por exemplo, verificou-se que a taxa média de baixas no final da guerra era de 98%, razão pela qual havia reposições de homens continuamente, o que impediria um conhecimento mais aprofundado entre os novos camaradas. Po-rém, as unidades continuaram combatendo com a mesma determinação. Logo, foi a coesão da missão que propiciou o prolongamento da luta por bom tempo.Robert MacCoun21, em artigo datado de 1993 e intitulado Sexual orienta-tion and military cohesion: A critical review of the evidence, ao sopesar a coesão e o desempenho de militares e civis, concluiu ser a coesão social que impul-siona,  muitas  vezes,  o  fraco  desempenho  do  grupo.  Ressaltou  que,  quando a  coesão  social  é  muito  elevada,  as  consequências  podem  ser  deletérias devido  ao  excesso  de  socialização  ocasionando,  inclusive  a  insubordinação e o motim. MacCoun22,  analisando  a  discriminação  de  outro  grupo  minoritário  no seio das Forças Armadas – os homossexuais –, pontuou que o impacto da inclu-são de gays poderia, até, reduzir a coesão social em algumas unidades, contu-do, se lhe  afigurou improvável o mesmo efeito sobre a coesão da missão. Sua pesquisa  indica  ser desnecessário  nutrir simpatia  por  alguém  para  se  trabalhar com ele, bem como para a prevalência do compartilhamento de compromissos e  objetivos  comuns.  Na hipótese de  redução da coesão social, provavelmente ela  acarretará  um  grau  de  ostracismo  do  grupo  minoritário;  nunca,  o  colapso total da unidade. Ademais, as resistências de recusa à cooperação poderão ser desencorajadas  diante  do  trabalho  em  equipe,  de  uma  liderança  eficaz,  de normas, ordens e regulamentos militares, das opções disciplinares, das ameaças externas  e  do enfrentamento  dos  desafios.  Dito  de  outra  forma,  vários  fatores contribuem  para  a  promoção  da  coesão  e  do  incremento  do  desempenho, mesmo em face de hostilidades. A investigação que pode exemplarmente nor-tear as estigmatizações de gênero sugere que os líderes exercem papel impor-tante na promoção e na manutenção da unidade, e tal fator, associado à nor-matividade  legal  e  disciplinar,  eleva  a  probabilidade  do  trabalho  cooperativo. Por  último,  as  ameaças  externas  reforçam  tanto  a  coesão  social  quanto  a  da missão,  vez  que  os  membros  do grupo se  veem  todos  ameaçados,  fazendo-se necessária a ação coletiva para eliminar o perigo. 21Id., p. 16.22 MACCOUN, Robert. Sexual orientation and military cohesion: A critical review of the evidence. In: Sexual  Orientation  and  U.S  Military  Personnel  Policy:  Options  and  Assessment. Califórnia: RAND, 1993. p. 51829Aliada  a  tais  colocações,  somem-se  exigências  outras  colocadas  pelas FFAA, designadamente a acentuada mobilidade geográfica; a separação perió-dica da família em virtude dos treinos, os exercícios ou embarques; a instabili-dade  de  horários;  a  possível  residência  no  estrangeiro  ou  mesmo  o  risco  de ferimento e morte, a colidirem com as solicitações da vida familiar impostas às mulheres, a tornar, em tese, mais complexa e conflituosa a arbitragem entre os sexos. Sem embargo, soluções equilibradas e realistas podem ser implementa-das  a  exemplo  do  Exército Israelense que adotou "horários personalizados" para as mulheres casadas, contanto que o rendimento não seja afetado. O tra-balho  temporário  e o  de  tempo  parcial,  igualmente,  são  respostas  viáveis  en-quanto os filhos forem pequenos. No tocante a participação feminina nas manobras e exercícios, poder-se-ia adaptá-las  à  capacidade  física  e  à  anatomia  da  mulher.  Nos  Estados  Unidos foram estabelecidas categorias que levam em conta a idade, a força, o peso e a finalidade da presença feminina para aprimorar a integração.Há mais. O direito à formação há de ser idêntico para ambos os sexos, sobretudo  nas  Escolas  de  Especialização  e  Academias  Militares,  de  modo  que as  mulheres  se  preparem,  tal  qual  os  homens,  e  neutralizem  as  desvantagens  históricas e os obstáculos a elas interpostos para o recrutamento superior; claro, sem  olvidar  as  dificuldades  enfrentadas  pelas  mães,  as  interrupções  laborais devido a gestações e a educação dos filhos de menoridade. Estágios de reciclagem periódicos ou de formação acelerada nos cursos da carreira contornariam o retardo oriundo das ausências forçadas.  A partir do momento em que mulheres casadas e mães são mantidas nas Forças Armadas, é necessário que se encontrem soluções compatíveis com a sua situação. Outro  ponto  concerne  à  equivalência  de  oportunidades,  a  traduzir-se na  possibilidade  de  ascensão  plena  na  carreira,  dificuldades  reais  e  cotidianas com as quais se defrontam as mulheres militares. Ora, a designação ao posto e a promoção hão de ser norteadas pela competência, e não pelo sexo. E aqui se inclui poderem ser elas designadas para o combate. A evolução das técnicas de guerra, suas formas tecnológicas ou revolu-cionárias,  o  terrorismo  em  todas  as  suas  versões,  dentre  outros  flagelos  que assolam  a humanidade,  impõem  a participação  de  homens  e  mulheres  no es-forço conjunto da Nação. Se as mulheres forem excluídas, a priori, do comba-te, isso significa o desaparecimento de um soldado virtual para cada posto por elas  ocupado.  A  questão  deve  centrar-se,  pois,  na  aptidão  e  capacidade.  Im-preciso  e  errôneo supor  que  as  operações  militares  funcionam  hoje  com  base nos modelos atávicos de luta. Atualmente, a gestão da violência legítima conta com técnicas burocrático-racionais de organização, e não com "rambos".
30MARIA ELIZABETH GUIMARÃES TEIXEIRA ROCHAAssim, a inversão da lógica casuísta que norteia o delineamento da in-tegração  militar  feminina  nas  FFAA  apontam  para  cinco  vetores  políticos  fun-damentais; como pontua com propriedade Helena Carreiras. O primeiro: "a liderança. A qualidade da liderança tem sido considera-da  um  dos  fatores  mais  importantes  para  a  coesão  das  unidades  militares  em circunstâncias  de  mudança  na  sua  composição  social.  No  caso  da  diversidade de  gênero,  vários  são  os  Estados  que  promovem  formação  específica  ou  em módulos  integrados  nos  cursos  já  existentes  para  todos  aqueles  que  ocupam posição de comando. Nessa seara, o Canadá constitui um dos mais expressivos modelos. Está em causa a preparação dos futuros líderes para gerir a alteridade e a diferença, razão pela qual se deve dotá-los dos conhecimentos necessários para induzir mudanças de atitudes, comportamentos e mentalidades no interior da corporação"23. O segundo vetor diz respeito aos equipamentos e processos de trabalho. "O ajustamento dos equipamentos aos seus novos utilizadores – as mulheres –, a adaptação ergonômica do armamento e material bélico, bem assim a reorgani-zação  de  processos  de  trabalho  é  uma  medida  surpreendemente  simples, mormente, quando se pode lançar mão de experiências bem sucedidas como a da Holanda, que promoveu um programa dos mais eficientes na adaptação das mulheres a um conjunto alargado de tarefas militares"24.O terceiro ponto, de extremo relevo, é a conciliação entre a família e a profissão,  uma  vez  que  ambas  as  instituições  demandam  extrema  dedicação, disponibilidade e lealdade. Ora, não se pode condenar a mulher militar à infer-tilidade  e  ao  celibato,  para  que  ela  galgue  postos  e  patentes,  daí  porque  as Forças Armadas não podem ignorar a peculiar  condição feminina. O desenvol-vimento  de  políticas  específicas  como  o  apoio  familiar  expandido  à  infância dos filhos, o respeito à maternidade, a gestão articulada de colocações no caso de cônjuges militares favorecem o abrandamento dessa tensão tradicional que, de resto, angustia todas as mães inseridas no mercado de trabalho25. O  quarto  fator  refere-se  à  convivência  e  às  relações  intersexo.  Muitas condutas designadas como impróprias e crimes como o assédio sexual e as viola-ções  representam  problemas  concretos,  como  ocorre  atualmente  nos  Estados Unidos  da  América,  onde  90%  dos  processos  nos  tribunais  militares  referem-se ao  último  e  terrível  agravo,  perpetrado  contra  homens  e  mulheres  majoritaria-mente.26 Além da punição judicial rigorosa, bastante óbvia, faria sentido, dada a ausência  de  canais  institucionalizados,  que  se  criassem  meios  de  comunicação, 23 CARREIRAS, Helena. Op. cit, p. 173. 24Id., p. 173. 25Id., p. 173. 26Os terríveis acontecimentos registrados nos Estados Unidos como o "escândalo de Tailhook", que retrataram a violação coletiva de mulheres da Marinha Americana pelos seus colegas durante uma convenção  naval  em  Las  Vegas  em  1991,  crimes  repetidos  em  um  treinamento  do  Exército  em Aberdeen, descortinam como o processo de integração claudica em um Estado que registrava, à época dos fatos, mais de três décadas do ingresso feminino nas Forças Armadas.
AMULHER MILITAR E SUA INTEGRAÇÃONAS FORÇAS ARMADAS31com a garantia de confidencialidade, onde as vítimas ameaçadas e discriminadas fizessem chegar aos comandos tais abusos para se tentar evitá-los27. A quinta e última ponderação acena para programas de monitorização e acompanhamento de práticas de recrutamento para a colocação e progressão da mulher na carreira das Armas. O objetivo seria avaliar determinantes como o estímulo e a permanência feminina nos quartéis, com vistas a garantir a equi-dade  e  o  respeito  a  diferença,  consagrados,  literal  e  principiologicamente, em todas as Constituições liberais dos Estados Democráticos28. Indiscutivelmente  o  soldado  moderno  não  é  mais  um  mero  aplicador da  violência,  seu  papel  transmutou-se  diante  do  novo  conceito  de  guerra.  A cultura  militar  não  mais  pode  ignorar  a  existência  de  segmentos  diferenciados marcados por formas de pertencimento e de adstrição de identidade legítimas e  revestidas de caráter de  fundamentalidade. As  mulheres  não  minam  a disci-plina, a coesão e o moral da tropa, ao revés, trabalham eficiente e eficazmente em conjunto29.Por  isso,  necessária  a  adoção  de  medidas  proativas.  As  ações  positivas ou  afirmativas,  princípio  constitucional  da  isonomia,  refletem  a  mudança  de 27CARREIRAS, Helena. Op. cit, p. 173. 28Id., p. 173. 29A propósito, pondera Maria Celina D'Araújo:"(...) No que toca às relações de gênero, acompanhando o que já se verifica em vários países do hemisfério Norte, leis de pederastia e sodomia passam a ser questionadas, a união civil en-tre homossexuais entra na agenda política e as constituições começam a afirmar a igualdade de direitos entre os sexos. A incorporação de mulheres e homossexuais às Forças Armadas só pode ser devidamente con-siderada quando  as  sociedades estabelecem  para  si  que  liberdade  de  escolha  e  direitos  iguais para todos são parte inviolável da soberania individual, ou seja, quando os princípios de igual-dade e democracia se tornarem a gramática da política. (...) Vários países já adotaram a incorporação de mulheres e homossexuais às Forças Armadas. Essa incorporação corresponde, na pós-modernidade, ao processo de democratização das socieda-des  e  à  expansão  dos  direitos  de  igualdade  entre  etnias,  crenças,  sexos  e  gêneros.  As  Forças Armadas não são instituições isoladas da sociedade e estão intrinsecamente conectadas ao pro-cesso  social  e  ao  projeto  que  cada  sociedade  estabelece  para  si  em  termos  de  defesa  e  de construção  de  direitos  de  cidadania  e  de  soberania.  A  partir  disso,  pode-se  sustentar  que  tal incorporação é fato importante na definição das relações civis-militares. Isto porque, em prin-cípio, se um país estabelece o alinhamento das Forças Armadas ao poder civil democrático, as Forças Armadas devem expressar o perfil da sociedade à qual servem e obedecem.  Estas  mudanças  não  significam,  no  entanto,  transformações  substantivas  nos  critérios  de  ação interna  e  de  organização  da  instituição  militar.  Os  princípios  que  tradicionalmente  regem  as Forças Armadas são basicamente os da disciplina e da hierarquia. E, ao que tudo indica, assim continuará sendo na pós-modernidade.  (...) pesquisas igualmente rigorosas para aferir o impacto da incorporação de mulheres, gays e lésbicas já vêm sendo desenvolvidas na Europa e nos Estados Unidos. Os resultados são surpreen-dentes e em geral mostram que a integração tem se dado sem qualquer aspecto negativo para o conjunto das Forças Armadas, não interfere em assuntos de defesa e ameniza o assédio sexual a mulheres e homens. (...) Mulheres e  questões de  gênero  nas  Forças  Armadas Brasileiras.  In: Painel  -  Women in  the Armed Forces I.  Research and Education in Defense and Security Studies. Chile: 2003. 
32MARIA ELIZABETH GUIMARÃES TEIXEIRA ROCHApostura do Poder Público que, em nome de uma suposta neutralidade aplicava suas  políticas  públicas  indistintamente,  ignorando  a  importância de  fatores co-mo  gênero, etnia  e  orientação  sexual  para  citar  alguns  exemplos.  Ao  invés  de concebê-las genericamente, levam em conta as especificidades das minorias, a fim  de  evitar  que  a  discriminação  e  o  alijamento,  que  inegavelmente  têm  um fundo histórico e cultural e não raro se subtraem do enquadramento das cate-gorias jurídicas clássicas, findem por perpetuar as iniquidades sociais. A  intervenção  estatal, em  contraposição  ao  absenteísmo,  reveste-se  de função  pedagógica  porque  não  só  coíbe  a  hierarquização  entre  indivíduos  e promove  a  equalização  das  oportunidades,  como  serve  de  modelo  ao  setor privado  para  que  adote  iniciativas  semelhantes.  Longe  de  refletir  um  caráter assistencialista,  reflete  um  ideário  cívico  que  propõe  romper  estigmatizações odiosas, caracterizando-se como uma conquista civilizatória. A  diversidade  de  perfis  humanos  na  carreira  das  Armas  é  proveitosa  e enriquecedora  porque,  se  por  um  lado  altera  comportamentos  tradicionais  e coloca novos desafios à formação do "soldado profissional", por outro, preserva o ethos da instituição castrense, cuja missão cívica e institucional é moldar seres humanos e prepará-los para defender a Pátria. E aí reside a grandeza histórica do  ingresso  das  mulheres  nas  fileiras  das  Forças  Armadas,  porque  simboliza  o reconhecimento de que a defesa da Pátria é dever de todos os cidadãos. Por  certo,  grupos  socialmente  homogêneos  não  são  mais  eficientes  do que  grupos  heterogêneos,  segundo  noticiam  análises  teóricas  e  estatísticas.    A discriminação,  sim,  é  perniciosa  e  disfuncional  para  a  estabilidade  do  contin-gente e para a realização de tarefas coletivas, minando, por conseguinte, a coe-são, a eficiência e o desempenho da missão.Do ponto de vista da definição de políticas de comando, "gerir a diversi-dade", mais do que assegurar a homogeneidade, constitui o grande desafio posto aos comandantes das Forças na gestão de pessoal nesta contemporaneidade. A INTEGRAÇÃO DA MULHER NAS FORÇAS ARMADAS BRASILEIRAS  Em  sintético  retrocesso  histórico,  quando  o  Brasil  declarou  guerra  aos países  do  Eixo  em  1942,  fez-se  necessário  organizar  a  Força  Expedicionária Brasileira,  conhecida  como  FEB,  para  lutar  nos  campos  de  batalha.  Naquela época, as Forças Armadas sequer contavam com enfermeiras em seus quadros, sendo elas urgentemente recrutadas e tendo recebido treinamento militar para que pudessem acompanhar as tropas.  Sessenta  e  sete  mulheres  partiram  em  julho  de  1944  com  destino  aos Estados Unidos, antes de seguirem em direção à Itália. Lá chegando, em outu-bro de 1944, retornaram ao Brasil em julho de 1945, quando o grupo foi des-mobilizado. Somente  após  a  guerra  foram  elas  consideradas  como  integrantes  da FEB, passando a adquirir os direitos deferidos aos combatentes. 
AMULHER MILITAR E SUA INTEGRAÇÃONAS FORÇAS ARMADAS33A  Marinha foi  a primeira Força a incorporar  mulheres  em seus contin-gentes,  especificamente,  no  Corpo  Auxiliar  Feminino,  no  início  dos  anos  80. Porém, o fez de forma restrita, limitando o seu acesso às funções administrati-vas, sem deslocá-las para o combate ou autorizá-las a cursarem a Escola Naval, ainda  hoje  vedado.  Suas  primeiras  integrantes  ingressaram  sob  o  pálio  da  Lei nº  4.375/64,  que  regulava  o  Serviço  Militar.  Em  1998,  a  Marinha  promoveria uma  reestruturação  de  seus  quadros  e  extinguiria  o  Corpo  Auxiliar  Feminino, reintegrando  seus  membros  de  acordo  com  a  especialidade  nos  diversos cor-pos. Sem dúvida uma vitória! Foi a Força Naval, por igual, a primeira a promover ao cargo de oficial-general  uma  Contra-Almirante –  médica  do  Corpo  de  Saúde –  em  novembro de   2012. O quadro a que ela pertence, contudo, não lhe possibilita a ascensão à  patente  de  Almirante  de  Esquadra,  a  mais  elevada,  de  modo  que  não  será possível a ela ou a qualquer outra oficial do sexo feminino ascender à General de quatro estrelas. A  Aeronáutica,  por  seu  turno,  admitiu  o  ingresso  feminino  em  1982  e, desde 2004, a Academia da Força Aérea passou a oferecer às mulheres o curso de aviação. Na Aeronáutica, sim, a oficial do sexo feminino poderá ser promovida à patente de Tenente Brigadeiro do Ar; a saber, ao último posto do generalato. Por  último,  o  Exército  criou  o  Quadro  Complementar  de  Oficiais  em 1990. Diferentemente da Marinha e da Aeronáutica, onde o corpo feminino con-centrava-se  num  quadro  à  parte,  o  complementar  do  Exército  era  composto  por homens e mulheres, com a finalidade de suprir as necessidades da Organização. No ano de  1992,  a Escola de  Administração do Exército formou  a pri-meira turma de 49 mulheres oficiais. Em 1997, o Instituto Militar de Engenharia matriculou  as  primeiras  10  mulheres,  que  seriam  incluídas  no  Quadro  de  Enge-nheiros Militares. No mesmo ano, a Escola de Saúde do Exército matriculou e for-mou  a  primeira  turma  de  oficiais  médicas,  dentistas,  farmacêuticas  e  enfermeiras de nível superior. E, em 2001, foi permitida a inscrição de mulheres no concurso para  preenchimento  de  vagas  no  curso  de  Sargento  de  Saúde,  que  passou  a funcionar  no  ano  seguinte.  Nenhum  desses  cargos,  contudo,  possibilita-lhes a ascensão à patente de General de Exército, posto máximo da Força. Felizmente, o cenário  mudará em  breve. Isso porque  a Lei  nº 12.705, de 2012, determinou o ingresso na linha militar bélica de ensino às candidatas do sexo feminino, viabilizado neste ano de 2017. A norma  promoverá a altera-ção da atual condição da mulher no Exército. A razão é que as cadetes oriundas da Academia Militar das Agulhas Negras poderão ingressar nas Armas outrora a elas restrito e, consequentemente, disputar o último posto e patente da Arma, em igualdade de condições com os homens. 
34MARIA ELIZABETH GUIMARÃES TEIXEIRA ROCHAIncontestável  a  incorporação  feminina  nas  Forças  Armadas  espelhar  a equidade  de  gênero, que  resulta na  ampliação dos  direitos civis e  políticos na sociedade brasileira pós-moderna. Daí,  a  relevância  das  políticas  afirmativas  adotadas  pela  Governança, sabido que a humanidade ainda vive confinada em lugares preestabelecidos na hierarquia social dos seres sexuados. E neste entrelaçamento do mundo natural com o mundo social, muitas vezes injusto e desigual, as mulheres apercebem-se daquilo que carecem e do que gostariam de ser. A história do feminismo  possibilita reflexões sobre a construção coletiva da identidade da mulher apartada da cultura sexista e patriarcal, possibilitando os  humanos  a  imergirem  em  novas  percepções  sociais  mais  justas,  legítimas  e equânimes30. 30 A historicidade do ideário de libertação feminista latino americana centrou-se na luta contra a subalternidade de gênero que permeou a década de 70 e o movimento social em constru-ção  dos  anos  80,  dando  origem  a  uma  nova  ordem  bissexuada  e  a  uma  interlocução  das mulheres com os Estados e os organismos regionais e internacionais. GARGALLO, Francesca. El  Feminismo  Múltiple:  Prácticas  e  ideas  feministas  en  América  Latina. In: Perfiles  del  femi-nismo iberoamericano. Buenos Aires: Catálogo, 2002, p. 103.    Definido pelas filósofas mexicanas Eli Bartra e Adriana Valdés, "o feminismo é a luta consci-ente e organizada das mulheres contra o sistema opressor e explorador, ele subverte todas as esferas  possíveis,  públicas  e  privadas,  deste  sistema  que  não  é  somente  classista,  mas  tam-bém sexista, racista, que explora e oprime de múltiplas maneiras todos os grupos fora das es-feras de poder." A Natureza Feminina. In: Terceiro Colóquio Nacional de Filosofia. México: Universidade Nacional Autônoma de México, 1985, p. 129.Na  Ibero-América,  o  movimento  marcou  formas  de  socialização  diferenciadas  e  novos pactos culturais  entre as  mulheres, sem embargo da  distinção  existente  entre  a militân-cia e a Academia. Desde os seus primórdios, "o feminismo latino americano preocupou-se  em  definir  limites indefiníveis: eram feministas as mulheres de organizações que se reuniam a margem do mo-vimento popular urbano, dos sindicatos e das associações campesinas? Acusações mútuas fo-ram lançadas por mulheres contra as mulheres que se negaram a considerar feministas aque-las que se organizaram em torno de valores familiares, a exemplo das mães dos desapareci-dos  políticos,  ou  daquelas  que  as  consideraram  parte  de  um  movimento  de  mulheres  que prejudicavam a radicalidade feminina." GARGALLO, Francesa. Op. cit, p. 103.     Fato é que o feminismo latino deve ser compreendido como um projeto político das mulhe-res  e  como  movimento  social,  afinal  não  é  por  mero  acaso  certa  fidelidade  do  movimento ao pensamento marxista sobre as classes sociais, para contextualizar o conflito das mulheres. A ideia de justiça social recorreu tanto à hermenêutica do direito quanto à afirmação de um modo de pensar e de pensar-se partindo da moral sexo-social. Estava-se diante de uma in-dignação que atribuía à hegemonia masculina a dominação sobre as forças físicas, econômi-cas e intelectuais no todo social. Id. p. 107. A práxis  foi,  portanto,  uma  alavanca,  ao  lado  da  teorização,  pois,  como  definia  Julieta  Kir-wood em 1987: "el feminismo es tanto el desarrollo de su teoría, como su práctica y deben interrelacionarse. Es imposible concebir un cuerpo de conocimientos que sea estrictamente no-práctico. El feminismo es, entonces, un conjunto de conocimientos (o intentos) de y des-de las mujeres y comprometido  con estas, junto con ser un cuerpo de entendimientos es ac-cióntransformadora del mundo." Feminarios. Santiago de Chile: Documentas, 1987, p. 108.    A  evolução  das  ideias  feministas  está  ligada  ao  pensamento  de  suas  autoras,  mulheres  que caminharam  em  revoluções,  movimentos  nacionalistas,  ditaduras  e  formas  de  governo  exclu-
AMULHER MILITAR E SUA INTEGRAÇÃONAS FORÇAS ARMADAS35dentes validadas por eleições que mantiveram a preponderância masculina. Neste contexto, o arcabouço teórico preservou sua autonomia  em relação às ideologias partidárias, passan-do  ao  largo  do  próprio  Estado. Imprescindível  observar que  os conceitos  e  categorias femi-nistas europeias e norte-americanas influenciaram o pensamento latino. A militância no con-tinente transitou e transita no sentido de uma luta emancipatória, seja pela afirmação da es-sencial  diferença  positiva  das  mulheres  em  relação  ao  mundo dos  homens,  seja  pela  teoria dos gêneros. GARGALLO, Francesca. Op. cit, pp. 109-110.    Conforme pontuou Francesca Gargallo, o feminismo latino americano edificou-se nas i)  ma-nifestações  na  Colômbia,  em  1912,  a  favor  dos  direitos  civis  da  mulher  casada;  ii)  na  de-manda judicial, no Equador, em 1928, pela extensão dos direitos políticos; iii) na formação no Brasil, em 1880, das associações de mulheres abolicionistas, responsável pela publicação de um periódico francamente feminista, A Família, que propunha uma reforma, inclusive, na indumentária feminina; e iiii) no Chile dos anos 60, com a luta das mulheres contra as distin-tas  formas  de  opressão  jurídica,  econômica  e  política,  enfatizando-se  o  surgimento,  em 1952,  da  União  das  Mulheres  do  Chile  e  da  eleição,  em  1953,  de  Maria  de  la  Cruz  como deputada por Concepción, com 51% dos votos pelo Partido Feminino Chileno, dentre ou-tros exemplos que poderiam ser elencados. Op. cit, pp. 103-129.    Eram  movimentos  que  reivindicavam  transformações  sociais  e  políticas  tendentes  a  reverter  a opressão  e  a  exploração  das  mulheres,  fundados  no  pressuposto  da  igualdade  de  direitos  e num nacionalismo que evocava personagens de culturas pré-hispânicas, quer da época coloni-al, quer da luta pela independência, como paradigmas para valorização da figura feminina.     Os anos 70 marcaram a construção da mulher e a busca de valores humanísticos, o abando-no das táticas explicativas e o fomento do reencontro das mulheres como sujeitos, senão de sua história, ao menos de sua rebelião e de seu processo de liberação.  "Desta forma, no México grupos de feministas de autonomia radical, assim como feministas incapazes  de  romper  com  a  militância  de  esquerda,  junto  a  feministas  ligadas  à  academia, reuniram-se para discutir a politização da sexualidade e suas categorias conceituais. No Chi-le, a vitória eleitoral do projeto socialista de Allende e o posterior golpe de Estado alijaram as mulheres de uma cultura especificamente feminina." Contudo, "a participação de numero-sas mulheres na Unidade Popular e, depois em 1973, na resistência do governo militar, le-vou as feministas chilenas a postularem a condição da mulher como um novo sujeito social. [...] Entre 1973 e 1976, organizações de mulheres protagonizaram um movimento de defesa da vida, de denúncia à repressão e de sobrevivência física e moral.      No Brasil, onde conviviam feministas liberais, de militância esquerdista, grupos populares de mulheres  ligadas  aos  setores  progressistas  da Igreja  Católica  e grupos  de  feministas  radicais, urbanas  e  cultas,  foram  deflagradas  discussões  partindo  de  uma  fronteira  absoluta  entre  a identidade política feminista e as práticas das mulheres não feministas.      Na  Argentina,  a  participação  das  mulheres  na  guerrilha  impossibilitou  o  surgimento  de  um feminismo autorreflexivo, posto ter a militância desqualificado o debate acerca da liberação sexual como uma luta pequena burguesa, profundamente antirrevolucionária. Não obstante, a violência das torturas de natureza sexual durante a ditadura argentina contra as mulheres, levaram-nas a romper com a ideia de igualdade de gêneros na luta armada, obrigando-as a enfrentar a especificidade de sua condição na sociedade.     Na Nicarágua, a presença de 31% de mulheres nas fileiras do Exército Sandinista de Liberta-ção Nacional igualmente dificultou a existência de outras formas de encontro, contudo após a vitória sandinista sobre o regime de Somoza, o histórico revolucionário lhes ofereceu uma rica experiência de política emancipativa.     No Peru, Costa Rica, Colômbia e Venezuela, apesar do enfrentamento de diversas situações políticas e econômicas, o feminismo radical se expressou por meio de grupos, uma vez que importantes segmentos de mulheres se reuniram para discutir as problemáticas de seus paí-ses e manifestar solidariedade às lutas femininas nos Estados em guerra ou sob o jugo de go-vernos militares." GARGALLO, Francesca. Op. cit, p. 116-117. Tradução livre.     Tal como explanado, a História das Mulheres na Ibero-américa transformou a História social em sua generalidade, num percurso particularíssimo e sinuoso de construção de identidades. 
36MARIA ELIZABETH GUIMARÃES TEIXEIRA ROCHACONCLUSÃO A misoginia e o sexismo no interior das Forças Armadas esbatem-se nos direitos civis e  nas  garantias  individuais. Afastar  ou limitar  o acesso  à ascensão profissional em virtude do sexo é promover a desigualação, quando é dever do Estado coibi-la. Tal postura resulta no agravamento de uma pretensa superposi-ção natural e social entre os indivíduos, oriunda de injustificado preconceito.  Diversas são as formas de manifestação do preconceito coletivo consoante lição  de  Norberto  Bobbio;  ele  se  define  como  a  discriminação  de  um  grupo perante outros que, na maioria das vezes, constitui uma minoria. Sua exteriori-zação dá-se de maneiras diversas. Há o preconceito racial, o religioso, o cultural, o social, o de gênero, etc.31 Os efeitos são nefastos, pois além dos sujeitos sociais estigmatizados serem afastados da fruição de determinados direitos, a margina-lização dá azo ao isolamento físico, obstaculizando sua completa integração na comunidade32. A principal consequência do preconceito de grupo é a discriminação. A etimologia do vocábulo remonta à campanha racial do nazifascismo frente aos judeus, ciganos, homossexuais e minorias étnicas. A discriminação é mais forte do que a mera constatação da diferença por ser utilizada de maneira pejorativa e  fundamentar-se  em  critérios  moral  e  juridicamente  ilegítimos,  normalmente relacionados à ideia de superioridade entre os homens, ideias que ensejaram o surgimento e a manutenção da escravidão e do holocausto.  "Está-se diante de uma situação de discriminação quando um determi-nado  grupo,  segundo  critérios  adotados  naquela  sociedade,  deve  receber  tra-tamento isonômico e não o obtém, porque uma parcela da sociedade entende que eles não fazem jus (...)".33 Nessa hipótese, viola-se diretamente a dignidade humana, vez negar-se fidedigno direito sob a alegação do grupo ou pessoa não serem merecedores; pior, por não se lhes reconhecerem, sequer, dita subjetivi-dade.  A  discriminação  começa  quando  os  homens  não  se  limitam  apenas  a A respeito pondera María Julia Palacios: não fosse a História das Mulheres "de que outra ma-neira se entenderiam expressões como [...], superação da visão androcêntrica; explicitação dos mecanismos  de  reprodução  do  patriarcado;  experiência  coletiva  das  mulheres;  questionamento de uma historiografia que desconhece a centralidade dos sujeitos nos processos históricos; ne-gação  do  caráter  fixo  e  permanente  da  oposição  binária;  historicização  da  diferença  sexual; representação dos gêneros na sociedade; articulação das regras de relações sociais e constitui-ção de significados da experiência; estudo da vida feminina integrada com demais temas histó-ricos como o poder das ideias ou forças que governam as mudanças culturais e a  elaboração de esquemas interpretativos que deem conta da complexidade das relações entre os sexos, das modificações do statusdas mulheres, dos avanços e retrocessos da História." Una Mirada Crítica sobre  la  Historia  de  las  Mujeres.  In: Perfiles  del  Feminismo  Iberoamericano. Op.  cit,  pp.  300-301. Tradução livre.31  Nestes  termos,  o  sexismo  exterioriza-se  em  relação  às  mulheres,  o  antissemitismo  perante  os judeus e a homofobia em face dos homossexuais, o racial frente aos grupos étnicos, etc. 32Elogio à serenidade e outros escritos morais. São Paulo: Unesp, 2002. p. 114. 33  MEYER-PFLUG,  Samantha  Ribeiro. Liberdade  de  Expressão  e  Discurso  do  Ódio.  São  Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. pp. 110-111.38MARIA ELIZABETH GUIMARÃES TEIXEIRA ROCHAimpossível ao indivíduo renunciar às características que compõem a sua perso-nalidade. As lutas de resistência em torno do estatuto da individuação almejam o encontro do "eu" no mundo.Tal como colocado, o preconceito e a discriminação provocam a disso-lução do sujeito em seu sentido individual e coletivo e aniquilam as mais caras conquistas civilizatórias. A  leitura  que  os  pensadores  psicanalíticos  como  Lacan  e  Freud  fazem da identidade é que ela se forma ao longo do tempo, por processos incons-cientes. Ela permanece incompleta, sempre sendo construída, e surge não tan-to da plenitude da identidade que já está dentro de cada qual enquanto indiví-duo, mas de uma falha de inteireza que "é preenchida" a partir do exterior, pelas formas como o indivíduo imagina ser visto pelos outros. Psicanaliticamente, há uma perene busca pela "identidade" e pela construção da autobiografia. Platão sugeriu, em um de seus diálogos, a ideia do "cuidado do si", mas como cuidar de si e "tornar-te o que tu és" sem subordinar a diferença à identidade? Sem  espaços  de  liberdade  que  permitam  a  construção  do  Homem  enquanto Pessoa?  Winnicott enfatiza que "quando se fala de um homem, fala-se dele jus-tamente  como  a  soma  de  suas  experiências  culturais.  O  todo  forma  uma  uni-dade". A todo ser humano deve-se assegurar o direito a uma vida digna de ser vivida.  Ao  Estado  e  às  suas  leiscompete  sustentá-lo  de  forma  a  fiançar-lhe  a garantia de estar inserido em um lugar de pertencimento, resguardando, acima de tudo, a sua credulidade no Contrato Social35. Segundo Maria Vitória Mamede Maia, "a  constituição  do  ser  humano passa por fatores básicos, quais sejam; fidedignidade, ritmo, confiança e credu-lidade, fatores esses denominados de ciclo benigno. Explicando melhor, pode-mos afirmar que o ser humano se distingue do animal não somente pelo atribu-to da racionalidade, mas, e principalmente, por poder, diante de um ambiente facilitador, se desenvolver como um ser psíquico. Para que não nos tornemos seres embrutecidos e reativos, temos de ter vivido uma constância ambiental de cuida-dos que acaba por ficar marcada sensivelmente como credulidade e segurança.    O  que  é  ser  crédulo?  O  que  é  sentir-se  seguro?  Longe  de  qualquer menção  religiosa,  ser  crédulo  significa  acreditar,  sendo  essa  crença  um  senti-mento vital para que o Homem possa ser um sujeito afetado pelo outro, possa pensar-se em segurança, possa pensar-se no lugar do outro e não somente rea-gir às situações a partir de um egocentrismo exagerado. O senso de crença é o principal  do  nosso  desenvolvimento,  seguido  pelo  de  segurança.  Se  o  perde-mos,  poderemos  passar  a  reagir  ao  invés  de  agir  operatoriamente  no  mundo. Porém o sentimento de fidedignidade a traduzir-se na ideia de que o ambiente nos sustenta, nos acolhe e protege; o sentimento de continuidade, que advém do  ritmo  dos  cuidados  que  temos  ao  longo  de  nossa  vida  e  o  sentimento  de 35 WINNICOTT, D. W. Conversando com os pais. São Paulo: Martins Fontes, 1975. p. 137-152.
AMULHER MILITAR E SUA INTEGRAÇÃONAS FORÇAS ARMADAS39confiança, a saber: o mundo não me persegue, não me ignora, não me discri-mina,  ao  contrário,  considera-me  digno,  considera-me  nos  meus  movimentos de inclusão, dependem, principalmente, do fato de que as leis, primeiro  as da família, depois as da escola e, por último, as do próprio Estado sirvam a todos indiscriminadamente"36.  Ora,  a  credulidade  do homo  sapiens  advém  da  confiança  no  aparato normativo estatal. Se o Pacto não abarca a todos indistintamente, está-se diante da exceção; mais grave, da anomia, que implica a ruptura da lei social, da lei edípica, da lei do Pai, representado em instância última pelo próprio Estado, na expressão  de  Hélio  Pelegrino.37  A  descontinuidade  do  senso  de  segurança,  já que a norma fundante da sociedade não mais representa algo constante, e sim algo composto de interpretações várias, descortina o colapso do Contrato Social entre os indivíduos.  Boaventura  Sousa  Santos  sintetiza  de  maneira  especialmente  oportuna a exigência de cumprimento dos princípios fundamentais dos direitos humanos em sua pluralidade e diversidade: "temos direito a reivindicar a igualdade sem-pre  que  a  diferença  nos  inferioriza  e  temos  direito  de  reivindicar  a  diferença sempre  que  a igualdade nos descaracteriza."38  Em  última  análise,  os  direitos humanos representam o "direito a terdireitos humanos"39 e constroem-se com base    na  concepção  apriorística    de  que  o  Homem,  antes  mesmo  de  possuir capacidade e condições adequadas para exercê-los, os detém de forma inalie-nável e universal. A  questão  não  é  opor  a  igualdade  à  diferença,  mas  à  desigualdade,  e rechaçar a instituição de um apartheid social que obstrui a interação entre pes-soas pertencentes a universos distintos. Pressuposto para a construção de uma sociedade pluralista, o diálogo com o outro possibilita a concórdia nos confron-tos  entre  os  diferentes  grupos  sociais  e  culturais.  Assim,  inadmissível  a  hierar-quização entre humanos ou o seu confinamento em guetos. A mulher não pode ser "eliminada", mesmo no âmbito simbólico, ao ver rechaçado seu direito cívico  de  integração  plena  nas  Forças  Armadas.  Paralelamente,  não  pode  o Direito ser convertido em instrumento de opções segregadoras. Sua exclusão ou obstrução de determinados postos e patentes do Exér-cito, Marinha e Aeronáutica não tem apenas o condão de estigmatizá-las, desa-fia  o  próprio  conceito  de  cidadania  ao  impedi-la  de  integrar  ou  ascender  em Instituição Pública de acesso meritório – concurso público de provas e títulos –, 36Rios  Sem  Discursos.  Reflexões  sobre  a  agressividade  da  infância  na  contemporaneidade.  São Paulo: Vetor, 2007. pp. 48 et seq. 37 PELLEGRINO, Hélio. Pacto edípico e pacto social. Py, Luiz Alberto et alli. Grupo sobre Grupo. Rio de Janeiro: Rocco, 1987, 206 p, p. 195-205.38Por  uma  concepção  multicultural  de  direitos  humanos.  Revista  Crítica  de  Ciências  Sociais, nº 48 (1997), pp. 11-32.39 A expressão pertence a Norberto Bobbio. 
40MARIA ELIZABETH GUIMARÃES TEIXEIRA ROCHAdestinada  a  salvaguarda  da  Pátria  e  dos  poderes  constitucionais,  em  razão  de sua condição de gênero. Usurpação odiosa, inadmissível nos Estados Democrá-ticos, tem o condão de negar à mulher o seu status civitatis, erigindo-a à cidadã de  segunda  categoria.  Na  historiografia  brasileira  assemelha-se  à  subtração  do seu  direito  ao  sufrágio,  que  perdurou  durante  todo  o  Império  e  a  República Velha e, até mesmo, à escravatura, quando os negros, inferiorizados, eram con-siderados res.  O foco é a dignidade do Homem concebida como princípio, valor e nor-ma, cerne das garantias fundamentais e meio pelo qual são asseguradas as múlti-plas dimensões da vida. Qualidade intrínseca do indivíduo, ela transcende a nor-matividade, porque dignidade é acima de tudo valor, valor da pessoa humana. Diante desta tripla dimensão – normativa, principiológica e valorativa –sustenta a doutrina germânica que "a norma consagradora da dignidade da pessoa  revela  uma  diferença  estrutural  em  relação  às  normas  de  direitos  fun-damentais, justamente pelo fato de não admitir uma ponderação no sentido de uma  colisão  entre  princípios,  já  que  a  ponderação  acaba  sendo  remetida  à esfera da definição do conteúdo da dignidade"40.Sobre o tema, impossível não exaltar Paulo Bonavides quando discorre acerca da dignidade: "sua densidade jurídica no sistema constitucional há de ser  máxima.  Se  houver  reconhecidamente  um  princípio  supremo  no  trono  da hierarquia das normas, esse princípio não deve ser outro senão aquele em que todos os ângulos éticos da personalidade se acham consubstanciados"41. Bidart Campos, ao versar sobre a universalidade dos Direitos Humanos, remete-os a uma trindade obrigacional para a efetividade de sua prestação; vg: a  omissão  de  condutas  violadoras  ou  impeditivas  do  direito  que  titulariza  o sujeito ativo, o cumprimento de prestação positiva de dar e o cumprimento de prestação  positiva  de  fazer  em  favor  da  implementação  do  direito  de  seu  de-tentor. Inescusável ao Poder Público, como facultas exigendi, garantir tratamento isonômico  aos  indivíduos,  livrando  grupos  minoritários  de  preconceitos  segre-gacionistas. Trata-se de dever irrenunciável de proteção, oponível aos particula-res ou aos agentes estatais em hipóteses de vulneração42. Conforme  adverte  Jellinek,  em  obra  clássica, "chamado a desenvolver determinadas tarefas, o Estado aparece igualmente limitado na sua capacidade de agir, por efeito do dever moral que lhe incumbe de reconhecer a personali-40 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, p. 73.  A crítica de T. Geddert-Steinacher à Alexy consiste,  precisamente, no fato de que, para o pri-meiro,  Alexy  acabou  embasando  sua  tese  em  decisões  que  não  representam  a  tendência  do-minante no âmbito da jurisprudência do Tribunal Federal Constitucional da Alemanha, além de argumentar não ser a dignidade uma norma de direito fundamental, mas, sim, princípio. 41Teoria Constitucional da Democracia Participativa. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 233.42  BIDART  CAMPOS,  Germán  J. Teoría  General  de  los  Derechos  Humanos.  Buenos  Aires:  EditorialAstrea, 1989.  pp. 11-13.  
AMULHER MILITAR E SUA INTEGRAÇÃONAS FORÇAS ARMADAS41dade  dos  súbditos;  e  a  isso  fica  juridicamente  obrigado  por  força  do  seu pró-prio ordenamento (...). A relação entre o Estado e cada pessoa faz-se, assim, de tal  sorte  que  um  e  outro  surgem  como  duas  grandezas  que  se  implicam  reci-procamente.  Com  o  desenvolvimento  da  personalidade  individual  diminui  a extensão  do status  passivo  e  com  isso  o  campo  de  autoridade  do  Estado.  A história  política  moderna  tem  por  conteúdo  o  constante  desenvolvimento  da personalidade individual e da limitação do poder."43 Desta forma, a majestas é um poder limitado pela positividade vigente que estabelece a prática de ações negativas e afirmativas a vincularem a estatalidade. Neste universo, a expansão da  personalidade  há  de  desenvolver-se  à  margem  do imperium,  mediante  a livre iniciativa do indivíduo.  E não poderia ser diferente. A história do constitucionalismo é a história da  emancipação  do  homem.  Inadmissíveis,  nestes  termos,  retrocessos  que  o privem  de  garantias  personalíssimas.  Está-se  a  lidar  com  direitos  à  identidade, enfeixados no rol dos direitos de existência, que demandam a intervenção pro-tetiva do Estado44.O  direito  fundamental  da  personalidade,  donde  decorre  o  assegura-mento  de  identidades  coletivas,  concorre  com  o  direito  a  liberdades  subjetivas iguais  e  o  direito  humano  único  e  original,  provindo,  segundo  Jorge  Miranda, do "simples facto de  nascer e de viver  (...), condição essencial  ao seu ser e devir (...) têm por objecto, não algo de exterior ao sujeito (...)" mas "modos de ser  físicos  e  morais  da  pessoa,  manifestações  da  personalidade  humana  (...) defesa da própria dignidade"45. Direito Natural, devido ao homem em razão de sua humanidade, adquiriu consagração  formal  nas  Cartas  Políticas  de  matriz  ocidental  depois  de  séculos de absolutismo e totalitarismo. Sob esta dimensão, mesurar a dignidade sob o enfoque sexual oblitera a liberdade e aniquila a autonomia pessoal num momento em que se discute a juridicização  do  multiculturalismo  como  resposta  do  Direito  à  diversidade  e  à diferença  nas  sociedades  pluralistas  igualitárias.  A  política  do  reconhecimento verte-se como ponto fulcral no liberalismo de John Rawls, na teoria da diversi-dade de Jürgen Habermas, no democratismo de Charles Taylor, todos conver-gindo em favor da conjugação isonômica da cidadania. 43 JELLINEK, Georg. Teoría General del Estado. Bs.As: Albatros, 1954, pp. 313 et seq. 44  Nessa  toada,  o  papel  propedêutico  do  Judiciário  consiste,  precisamente,  em  afirmar  o  reco-nhecimento público pleno do respeito pela identidade inconfundível de cada indivíduo, inde-pendentemente  de  raça,  sexo,  credo,  orientação  sexual  ou  procedência  étnica.  Conforme acentua Bobbio: "o problema fundamental em relação aos direitos do Homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los." BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. São Paulo: Editora Campus, 1992. p. 25.45Manual de Direito Constitucional – Direitos Fundamentais. Tomo IV, 4. ed. Coimbra Editora, 2008. pp. 66-67.
42MARIA ELIZABETH GUIMARÃES TEIXEIRA ROCHAPara  além  e  finalizando,  as  Constituições  compreendidas,  em  geral, como  projetos  históricos  a  serem  cumpridos  por  cada  geração  articulam  com experiências  coletivas  de  integridade  ferida.  A  luta  pelo  reconhecimento  vem sendo protagonizada desde o início da década passada mediante o alargamen-to  das  tendências  uniformizadoras  e  homogeneizadoras  do  liberalismo,  em favor de um ideal de autenticidade concebido não como mera cortesia do Es-tado,  mas  como  um  dever.  A  suplantação  da  privação  de  direitos  de  grupos estigmatizados,  como  bem  pontuou  Habermas,  tem  por  objetivo  exorcizar  a fragmentação  da  sociedade  e  possibilitar  àqueles  que  se  viram  privados  de chances iguais de vida no meio social a universalização socioestatal dos direitos de cidadania. Daí, imperioso reconhecê-las no contexto de uma cultura majori-tária, tal como o tem feito a Sociedade Mundial46. BIBLIOGRAFIA BARNES II, John L. Don't Ask, Don't Tell: a costly and wasteful choice. Tese de Mestrado. Monterey. Califórnia. Naval Posgraduate School. 2004.BARTRA, Eli e VALDÉS, Adriana.  A Natureza Feminina. In:Terceiro Colóquio Nacional de Filosofia. México: Universidade Nacional Autônoma de México, 1985.BIDART CAMPOS, Germán J. Teoría General de los Derechos Humanos. Buenos Aires: Editorial Astrea, 1989.BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. São Paulo: Editora Campus, 1992. ______. Elogio à Serenidade e Outros Escritos Morais. São Paulo: Unesp, 2002. BONAVIDES, PAULO. Teoria Constitucional da Democracia Participativa. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada: jurisprudência e legislação infraconstitucional em vigor.  São Paulo: Ed. Saraiva, 2000. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1998. CAIRE, Raymond. A Mulher Militar. Das origens aos nossos dias.  Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 2002. 46  Efetivamente,  o  processo  de  internacionalização  dos  direitos  humanos  noticia  o  atendimento aos anseios de uma ordem contemporânea aberta, diversa e plural. No dizer de Leyza Ferreira Domingues, a utopia "criada desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos, transforma-se em  (...)  esperança  de  um  novo  começo  histórico  com  a  transformação  futura  das  condições existenciais dos seres humanos." A Internacionalização dos Direitos Humanos: Novos para-digmas  ao  Direito  Internacional  e  seus  limites  em  um  mundo  multicultural.  Dissertação apresentada para a conclusão do Programa de Mestrado em Direito do Centro Universitário de Brasília – UniCEUB. Área de Concentração: Direitos das Relações Internacionais, Brasília, 2009, p. 110.
AMULHER MILITAR E SUA INTEGRAÇÃONAS FORÇAS ARMADAS43CARREIRAS, Helena.  Mulheres em Armas. A participação militar feminina na Europa do Sul. Lisboa: Edições Cosmos. Instituto da Defesa Nacional, 2002. D'ARAÚJO, Maria Celina. Mulheres e questões de gênero nas Forças Armadas brasileiras. Painel: Women in the Armed Forces I. In: Research and Education in Defense and Security Studies Chile: 2003.DOMINGUES, Leyza Ferreira. A Internacionalização dos Direitos Humanos: Novos paradigmas ao Direito Internacional e seus limites em um mundo multi-cultural. Dissertação apresentada para a conclusão do Programa de Mestrado em Direito do Centro Universitário de Brasília – UniCEUB. Área de Concentração: Direitos das Relações Internacionais, Brasília, 2009. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional.  33. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007.GARGALLO, Francesca. El Feminismo Múltiple: Prácticas e ideas feministas en América Latina. In: Perfiles del feminismo iberoamericano. Buenos Aires: Catálogo, 2002.GONTIJO, André Pires.  A Sociedade Aberta Universal. A (re) discussão do papel do sujeito perante os sistemas de proteção dos direitos humanos no contexto de uma sociedade pluralista de risco. Dissertação apresentada como requisito obrigatório para conclusão do programa de mestrado em Direito do Centro Universitário de Brasília – UniCEUB. Área de concentração: Direito das Relações Internacionais, Brasília, 2009. GOULD, Stephen Jay. The Mismeasure of Man. Nova York-Londres: Penguin Books, 1966.JELLINEK, Georg. Teoría General del Estado. Bs.As: Albatros, 1954.JOHNS, John H. et al. Cohesion in the U.S Military: Defense Management Study Group on Military Cohesion. Washington: National Defense University Press, 1984.KIRWOOD, Julieta. Feminarios. Santiago de Chile: Documentas, 1987. MACCOUN, Robert. Sexual orientation and military cohesion: A critical review of the evidence. In: Sexual Orientation and U.S Military Personnel Policy: Options and Assessment. Califórnia: RAND, 1993.MAIA, Maria Vitória Mamede. Rios Sem Discursos. Reflexões sobre a agressividade da infância na contemporaneidade. São Paulo: Vetor, 2007. MEYER-PFLUG, Samantha Ribeiro. Liberdade de Expressão e Discurso do Ódio. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional – Direitos Fundamentais.Tomo IV, 4. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2008. 
44MARIA ELIZABETH GUIMARÃES TEIXEIRA ROCHAMORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais: teoria geral, comen-tários aos arts. 1º a 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 5. ed. São Paulo: Ed. Atlas, 2006. PELLEGRINO, Hélio. Pacto edípico e pacto social. In: Py, Luiz Alberto et alli. Grupo sobre Grupo. Rio de Janeiro: Rocco, 1987.SANTOS, Boaventura Sousa. Por uma concepção multicultural de direitos humanos. In: Revista Crítica de Ciências Sociais, nº 48, 1997. SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora. WINNICOTT, D.W. Conversando com os pais. São Paulo: Martins Fontes, 1975. _________Nota sobre a autora Dra. Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha Ministra  do  Superior  Tribunal  Militar.  Doutora  em  Direito  Constitucional  pela Universidade Federal de Minas Gerais. Doutora Honoris Causa pela Universidad Inca  Garcilaso  de  la  Vega –  Lima,  Peru.  Mestra  em  Ciências  Jurídico-Políticas pela Universidade Católica de Lisboa – Portugal. Professora Universitária. Autora de diversos livros e artigos jurídicos no Brasil e no exterior.
Avv. Antonino Sugamele

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